sábado, 17 de novembro de 2007

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Analisa-se aqui a questão da alienação intelectual, na qual o homem é instrumento da sua
própria ambição desenfreada. Tornando-se assim, mercadoria, e perdendo a vida, que na
sacralidade cristã é vista como; ‘bem supremo do homem’. Analisa-se também o quanto é
necessário que o homem para encontrar a sua autonomia deve ir contra a toda essa corrente que o subjugou, e o limitou como indivíduo. E para que o homem perca essa característica de coisa morta e desperte para uma produção de consciência verdadeira, é necessário, que o ele passe por todo esse processo, que é perder-se de si, para assim, adquirir a sua própria autonomia.

A Humanidade como Rebanho
As reflexões levantadas por Nietzsche com relação à religião, à moralidade e à
filosofia misturam a análise mais crua, inspirada por meio da desconstrução do indivíduo, que ataca os aspectos da cultura moderna que contrariam a vida. Além disso, Nietzsche critica também instituições e valores das sociedades modernas como sendo opressoras reais do corpo e da criatividade do homem, uma vez que, inibe o surgimento de indivíduos mais fortes e de uma organização sociocultural mais vigorosa. Nesta medida, é que o ser humano se permite permanentemente ofuscar por necessidades impostas a ele no seu cotidiano.
O indivíduo perde sua individualidade quando permite que forças externas a ele, o
subjuguem. Tais forças estão presentes, por exemplo, na religiosidade, na publicidade, no
consumismo, e em outras forças que detêm o controle da massa. Na religiosidade, por
exemplo, encontramos a cultura de rebanho e a idéias ilusórias, segundo Nietzsche, do
aprimoramento, que só destrói e aliena. Na publicidade o consumo deixa de ser um meio para o prazer pessoal e se transforma num fim em si mesmo, tornando-se um ato compulsivo e irracional movido pelo apetite de novidade. No consumismo em detrimento da publicidade, encontramos na competitividade, a necessidade de possuir a qualquer custo, que ultrapassa a real necessidade do possuir. Mas é importante esclarecer que ele só se torna um indivíduo quando consegue diferenciar-se a si mesmo dos interesses e pontos de vista dos outros, estabelecendo como norma a própria individualidade o desenvolvimento próprio. Por intermédio da sociedade em que vive, na qual engloba todas as relações e emoções, o homem segue em direção da lei evolutiva da sociedade, se voltando contra seu próprio princípio; o eu. Tornando-se assim, meros seres genéricos, idênticos uns aos outros pelo isolamento na coletividade governada pela força.
Em todos os tempos se quis melhorar o homem: a isto, sobretudo se chamou moral.
Mas sob a mesma palavra se escondem as mais diferentes tendências. Tanto o
amansamento da besta homem, quanto o aprimoramento de um determinado gênero
de homens é denominado melhoria. (...) A moralidade treina o indivíduo a ser uma
função do rebanho e a atribuir valor a si próprio apenas enquanto uma função. (...) A
moralidade é o instinto de rebanho no indivíduo.

Sendo assim, Nietzsche enxergou o futuro, foi um dos primeiros a ver a cultura de
massa como sendo uma instituição central para os processos de reprodução da sociedade
moderna e, especialmente, como o que ele classificava, como sendo a característica distintiva das sociedades modernas: a massificação e a erradicação da individualidade, sendo ambas criadoras de sociedades uniformes e semelhantes a rebanhos. Com a humanidade melhorada, dominada e amansada com o mascarado objetivo de atingir o tal aprimoramento, e seguindo uma organização que, parte vai desde a condição humana de rebanho que escraviza e torna o ser humano alienado intelectualmente, impedindo-o de pensar por si mesmo; até levá-lo a uma condição aniquiladora da perda de si, sem ao menos perceberem como chegaram a ser o que são.
Ó humano, presta atenção! (...) Não afundei em poços profundos. O mundo está
dormindo. Presta atenção! Quem deve ser senhor da terra? Ó homem, tu, homem
superior, presta atenção! Esta fala é para ouvidos finos, para teus ouvidos. (...)
Enquanto a crítica chegava ao domínio no teatro e no concerto, o jornalista na escola,
a imprensa na sociedade, a arte degenerava a ponto de se tornar um objeto de
entretenimento da mais baixa espécie, e a crítica estética era utilizada como meio de
aglutinação de uma sociabilidade vaidosa, dissipadora, egoísta e, ademais,
miseravelmente despida de originalidade.

Portanto, Nietzsche via a cultura de massas, sendo perpetuada pela educação tanto
quanto pelos jornais, como sendo, além de um corrosivo para a condição de homem indivíduo,
criadora de uma cultura medíocre, um corrosivo também para arte autêntica. Nietzsche via a prevalência da cultura de massas como uma fonte de entretenimento, um indicativo de que no futuro levaria o indivíduo à degradação do pensamento e da cultura contemporânea. Tal degradação da cultura resulta de uma cultura de massas, de rebanho que influencia, sobretudo, na linguagem, no estilo, nas idéias em voga e em julgamentos dominantes. É indubitável que se o indivíduo aceita como regra o estilo usado, fraco, vulgar e, mais de expressão sedutora, que é senão, o estilo nitidamente corrompido e mau, então o vigor, a raridade e a beleza, para Nietzsche, caem em descrédito, e o indivíduo perde a sua individualidade, pois começa a fazer parte de um todo. E é deste modo que ocorre a erradicação da individualidade. Então, fica claro, que Nietzsche sentiu que a sociedade e a cultura moderna, à sua época, se tornaram muito caóticas, fragmentadas, arbitrárias e sem força criativa, a ponto delas perderem os recursos para criar uma cultura vital. E é por isso, que favorecem ao declínio da espécie humana.
São especiais exemplos sobre a atualidade, do rebanho nietzscheano, a imprensa e a
“cultura de massa” como as forças degenerativas e medíocres, ao focar sua atenção no trivial, no supérfluo e no sensacional, e ao criar a homogeneização humana, a conformidade, e a vida em rebanho. Formando indivíduos perdidos de si mesmos, aos quais eles próprios são instrumentos da sua própria ambição desenfreada. Tornando-se assim, mercadorias, e perdendo a vida, que é seu bem supremo. Nietzsche acreditava que alguns indivíduos poderiam exercer a sua vontade de poder no sentido da criação de eus mais refinados e superiores.
Nossas virtudes são condicionadas, exigidas por nossa fraqueza... A igualdade, certa
assimilação de fato, que na teoria dos direitos iguais apenas chega à expressão,
pertence essencialmente ao declínio: ao abismo entre homem e homem, entre classe
e classe, a pluralidade de tipos, a vontade de ser si mesmo e se destacar (...) os
próprios extremos se esfumam afinal até a semelhança...

A crise na cultura moderna está parcialmente enraizada no fato de que a
individualidade do homem tem sido violentada pela força repressiva da alienação intelectual, na qual o indivíduo foi treinado para a racionalização instrumental, racionalização social e da sociedade e cultura de massa. Uma completa degeneração humana. A degeneração geral do homem, até chegar àquilo que hoje aparece aos broncos e cabeças rasas do socialismo como seu homem do futuro, como seu ideal! – essa
degeneração e apequenamento do homem em completo animal-de-rebanho (ou,
como eles dizem, em homem da sociedade livre), essa animalização do homem em
animal anão dos direitos e pretensões iguais é possível, não há dúvida nenhuma!

Para Nietzsche, estas forças degenerativas as quais apequenam o homem, devem ser
contidas por espíritos livres que seriam necessários àqueles que quiserem fazer experimentos com a arte, as idéias e a vida, assim como para aqueles que quiserem criar novos valores e uma cultura superior capaz de produzir seres humanos mais evoluídos, e autônomos.

A Moralidade como Processo Degenerativo
A moral para Nietzsche, consegue paralisar a vontade crítica do homem, até mesmo
atraí-la para o seu lado, mas por vezes até fazê-la voltar-se contra si mesma, de tal modo que a vontade então, igual ao escorpião, encerra em seu próprio corpo o ferrão.
Não se quer nada menos – que se confesse ou não – do que uma transformação
radical, e mesmo enfraquecimento e supressão do indivíduo: não se cansam de
enumerar e acusar tudo que há de mau e hostil, de perdulário, de dispendioso, de
luxuoso, na forma que teve até agora a existência individual, esperam dispor de uma
economia mais barata, menos perigosa, mais equilibrada, mais uniforme, quando só
houver ainda grandes corpos e seus membros. Aqui há uma afirmação de total enfraquecimento do indivíduo, a qual, a sua vontade é suprimida sem que o próprio indivíduo perceba. Pois há uma força sutil que manipula e envolve o homem, tornando-o objeto ativo e produtivo de tal força organizada e manipuladora ; que
deste modo se utiliza da existência do homem, até que ainda possuam grandes corpos e seus membros. Ou seja, é esta a correnteza moral básica em nossa época; sensibilidade simpática e sensibilidade social alteram agilmente seus papéis. Entendemos que toda ação moral é a ação de simpatia pelos outros, uma moral camuflada intelectualmente, advindas de ações que visam à segurança comum e ao seu sentimento na sociedade, e que por isso, recebem a denominação de bem. Nietzsche justifica tal situação como a consciência da aparência , que é o corpo eficiente e vivente, e que tal corpo vai tão longe à zombaria de si mesmo, que chega ao ponto de fazer sentir que faz parte da ordenação festiva da existência, que é a duração do sonho. Trocando em miúdos, os homens entre si, não são nem muito amigos nem inimigos.
Conversam sobre o supérfluo, trocam cumprimentos formais e convivem de maneira insípida e conveniente. Tudo isso acontece por que a pessoa humana perde o contato com seu eu, com sua individualidade. Não percebe que deixou de ser pessoa para tornar-se coisa. Almeja o sucesso econômico, profissional, intelectual, social, político etc. E dominado por essa alienação intelectual, e pela necessidade mercantil que ao mesmo tempo o torna vendedor e mercadoria,o indivíduo perde a sua identidade, não sabe o que se tornou nem mais o que faz. Mas há um processo de reconstrução do indivíduo, que é por meio da liberdade. Veremos a seguir como a liberdade está inserida na humanidade, e como ela pode ser exercida.O Processo de Individualidade é a Liberdade Nietzsche afirma que o valor de algo não está, às vezes, exatamente naquilo que se alcança com ele, mas naquilo que se paga por ele, ou seja, no que aquele algo nos custa.
Como exemplo, cita:
As instituições liberais deixam de ser liberais tão logo são alcançadas: mais tarde,
não há piores e mais radicais danificadores da liberdade, do que instituições liberais.
Sabe-se que o que eles conseguem, minam a vontade de potência, é isto, a nivelação
de montanha e vale transformada em moral, tornam pequeno, covarde e guloso –
com elas triunfa toda vez o animal de rebanho. (...) Pois o que é liberdade? Ter a
vontade de responsabilidade própria. Manter firme a distância que nos separa.
Tornar-se indiferente a cansaço, dureza, privação, e mesmo à vida.

A partir dessa reflexão, é possível detectar uma necessidade de ir contra a toda essa
ausência de autonomia no indivíduo. Deixar de pertencer ao rebanho e perder essa
característica de coisa morta. Despertando para uma produção de consciência verdadeira.
Para tanto, é necessário que o indivíduo passe por todo esse processo, que é perder-se de si mesmo, para assim, poder reencontrar-se, e com isso, adquirir autonomia em si mesmo.
Parece simplificado o processo, mas é na teoria, porém na prática... E é nessa desconstrução de si mesmo que o homem tem a oportunidade da possibilidade de voltar-se para si, adquirindo assim o domínio de si mesmo.
A alienação intelectual – o perder-se de si mesmo, ou seja, uma vez que se tenha
encontrado a si mesmo, é preciso saber, de tempo em tempo, perder-se, e depois reencontrar-se – torna-se atualmente condição constante na vida humana. A cada dia, o indivíduo perde a sua autonomia, sem aperceber-se do valor que tal perda de autonomia poderá lhe custar.
Portanto, diante do domínio, seja econômico, político, religioso ou midiático, o homem torna-se um ser alienado intelectualmente, e tal alienação acontece porque ele se submete à vida em rebanho, perdendo-se de si mesmo. É possível então, que tal homem encontre a sua vontade de potência sem que com isso, torne-se um ser segregado dos demais?
O fato é que se ao longo da sua existência, o individuo torna-se dominado pelo
sistema em que vive, então, é nesse processo que ele constroe o estado de grande alienação intelectual, e tal alienação faz com que o ser humano desconstrua a sua própria humanidade.
Para dar continuidade a perspectiva nietzscheana, e tentar responder tal questão, no próximo
capítulo, será analisada a alienação da humanidade, a partir do pensamento de Hannah
Arendt.

O Homem como Mercadoria
O objetivo ao qual se propõem Arendt em sua filosofia é uma reconsideração da
condição humana à luz das mais novas experiências e temores a que o homem tem se
submetido recentemente. O que o homem está fazendo é tema central do seu pensamento, ao qual aborda as manifestações mais elementares da condição humana, que é senão, as
atividades que constantemente o homem é levado a executar. Arendt investiga por meio da
análise histórica as origens da alienação no mundo moderno, e a relação do mundo com o
próprio homem, com o objetivo de chegar a uma compreensão da natureza da sociedade, de como esta evoluiu, e de como se apresentou no instante em que foi suplantada pelo advento de uma nova e desconhecida era. Esse processo de alienação ao qual o homem se tornou mercadoria afeta toda a humanidade, haja vista, ela é composta em sua grande parte, de uma ideologia capitalista. O homem na sua condição de consumidor desenfreado permitiu que a produção econômica se transformasse em seu principal objetivo, ao invés do próprio homem ser o objetivo principal de tal produção.
Tal condição a qual o homem se colocou, pode ser observada a partir do tratamento
que recebem tanto os trabalhadores, quanto os consumidores, nas indústrias modernas e nos comércios. No caso dos primeiros, foram reduzidos ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. No segundo caso, foram conduzidos ao consumo alienado, como se a felicidade consistisse, apenas, numa questão de poder sobre as coisas.
Tudo isso ocorre sem que o homem tenha controle sobre o seu trabalho e a sua vida, tornando-se assim, meras mercadorias. (...) os homens não entram em contato uns com os outros, fundamentalmente como pessoas, mas como fabricantes de produtos, e o que nele exibem não são suas individualidades, nem mesmo suas aptidões e qualidades, como na produção conspícua da Idade Média, mas seus produtos.

Para Arendt, foi à ausência de relacionamento humano e a preocupação fundamental
com mercadorias permutáveis que favoreceu a situação de desumanização e auto-alienação da sociedade comercial que, exclui os homens enquanto homens individualizados.

Parafraseando Horkheimer que afirmou em uma de suas obras que quanto mais
intensa é a preocupação do indivíduo com o poder sobre as coisas, mais as coisas o
dominarão e mais lhe faltarão os traços individuais genuínos. A realidade e a confiabilidade do mundo humano se firmam basicamente no fato de que o indivíduo está rodeado de coisas mais permanentes que a atividade pela qual foram produzidas.
A vida humana, na medida em que é a criadora do mundo, está empenhada em
constante processo de reificação; e o grau de mundanidade das coisas produzidas,
cuja soma total constitui o artifício humano, depende de sua maior ou menor
permanência neste mundo.

O fato é que, para Arendt, a capacidade humana de vida no mundo implica sempre
uma capacidade de transcender e alienar-se dos preconceitos da própria vida, enquanto a
vitalidade e o vigor só podem ser conservados na medida em que os homens se dispõem a arcar com o ônus, as fadigas e as penas da vida. E é diante de tudo isso, que a pessoa
humana perde-se do seu eu, da sua individualidade, tornando-se massa humana. Sem
perceber que deixou de ser pessoa para tornar-se coisa, porque deseja ardentemente o
efêmero, que é, senão, o sucesso econômico, profissional, intelectual, social, político, etc. E é assim, dominado por essa alienação intelectual, e pela necessidade mercantil que ao mesmo tempo o torna vendedor e mercadoria, que o indivíduo perde a sua identidade, não sabe o que se tornou nem mais o que faz.
Em nossa necessidade de substituir cada vez mais depressa as coisas mundanas que nos rodeiam, já não podemos nos dar ao luxo de usá-las, de respeitar e preservar sua inerente durabilidade; temos que consumir devorar, por assim dizer, nossas casas, nossos móveis, nossos carros, como se estes fossem as boas coisas da natureza que se deteriorariam se não fossem logo trazidas para o ciclo infindável do metabolismo do homem com a natureza.

Arendt explica que é como se o homem houvesse derrubado as fronteiras que
separavam e protegiam a mundanidade, o artifício humano, da natureza que é o processo
biológico que continua a efetivar-se dentro dele.
O fato de que a moderna alienação do mundo foi suficientemente radical para
estender-se até mesmo a mais mundana das atividades humanas, ao trabalho e a
reificação, à fabricação das coisas e à construção do mundo, distingue as atitudes e
avaliações modernas ainda mais nitidamente daquelas da tradição que a mera
inversão de posições entre a contemplação e a ação, entre a atividade de pensar e a
atividade de agir, parece indicar.

A uniformidade predominante na sociedade de consumo tem íntima relação com a
experiência somática de viver em conjunto, na qual o ritmo biológico une de tal forma
determinada comunidade que cada um passa a sentir-se como simples membro de grupos
sociais, e não mais como indivíduos.
A exigência da humanização é uma hipocrisia usada por uma espécie determinada de
homens para chegar ao domínio: mais exatamente um instinto determinado, o instinto
de rebanho. ‘Igualdade dos homens’: eis o que se esconde sob a tendência de
colocar-se no mesmo nível sempre mais homens, enquanto homens.

Como podemos observar, há uma concordância entre Nietzsche e Arendt, quanto à
uniformidade e igualdade dos homens. Na qual, tal processo de massa e de igualdade, torna ohomem um ser alienado, de vida em rebanho. Além disso, Arendt afirma que se o homem pode conceber a natureza e a história como sistema de processo, é porque é capaz de agir, de iniciar seus próprios processos, de mudar o seguimento da sua vida, e de torna-se mais lúcido.
Tentam esclarecer que após todo esse processo, há uma construção autônoma do individuo, e que tal construção acontece a partir do momento em que o próprio indivíduo estabelece a sua unicidade e individualidade diante do mundo.

A Vontade de Potência como Vida
A construção autônoma do individuo, que acontece a partir do momento em que o
próprio indivíduo estabelece a sua unicidade e individualidade diante do mundo. Abandonando o que Nietzsche denomina de “a franqueza animal de rebanho” que produz uma moral semelhante à que produz “o decadente”. Haja vista, “a moral é a soma das condições de existência de uma espécie de homens pobre e mal-nascida”. É, portanto, que no “instinto de rebanho” os homens se compreendem e se unem. Deste modo, o pensamento nietzscheano reforça o efeito de decadência que é intrínseca ao homem inconsciente, ou seja, ao homem que perde a sua individualidade para assim, tornar-se um homem – animal – de rebanho. Ao qual é constantemente conduzido, orientado e alienado pela pressão da massa humana. Sem que com isso, precise pensar, resolver ou agir.
No fundo, todos os traços doentios estão ausentes no animal de rebanho; este tem
até um valor inapreciável; mas sua incapacidade em se dirigir cria a necessidade de um pastor, (...) Há um efeito da decadência, profundo e absolutamente inconsciente, que se exerce até sobre o ideal da ciência. A escala de valores que serve hoje para julgar as diferentes formas da sociedade identifica-se absolutamente à que empresta à paz, um valor superior à guerra: (...) A vida é uma conseqüência da guerra, a própria sociedade é um meio para a guerra (...).

À vista disso, Nietzsche quis dizer que houve uma inversão dos valores. Pois a vida é
uma conseqüência da guerra, e o próprio homem promove os meios para que a guerra
aconteça. Assim, Nietzsche coloca a ciência moderna no mesmo plano do cristianismo. Para Nietzsche, ambas seriam criações do homem do ressentimento, do homem que não aceita a realidade e acredita que possa melhorá-la. Ele vê a racionalidade e a moral cristã como instituições do melhoramento. O objetivo de ambas seria tornar o homem e a realidade mais lógicos e racionais. Mas, para isso, revelariam seu verdadeiro espírito que é o de exercer o controle sobre os objetos. De outro modo: O homem, assenhoreando-se das forças da natureza, o homem, assenhoreando-se de sua própria selvageria e de seus instintos desencadeados (...) o homem comparado a um pré-homem representa uma enorme soma de potencia.

Isto significa que quando o homem supera esse processo de melhoramento e
adestramento, que lhe foi incutido ao longo de sua vida, tornando-se dono absoluto das suas vontades: de ser, de viver, de morrer. Ou seja, a vontade de ser um ser individualizado, único, capaz de compreender a sua importância no mundo. A vontade de viver a sua vida e conseguir usufruir da liberdade de potência que pertence a cada indivíduo, e que lhe dar o direito de discernir a respeito de todas as suas vontades, quiçá, a sua vontade de morrer. Quando os desejos aprendem a obedecer ao próprio homem, de maneira a lhes serem úteis, o homem adquire com isso, uma enorme soma de potencia. E mais; o homem selvagem, ou seja, o homem mau, no sentido de ser contrário a moralidade, é um retorno à natureza, e, num sentido, um restabelecimento, uma cura da cultura.

A Vontade de Potência como Moral
Dentro da perspectiva que vimos de vontade de potência como vida, que oferece ao
homem um retorno à própria natureza, é possível analisar alguns pontos da vontade de
potência como moral. Por exemplo: Nietzsche, afirma que o individualismo é uma espécie
modesta e ainda inconsciente da vontade de potência que parece bastar ao indivíduo o libertar-se de uma preponderância da sociedade – quer seja o Estado ou a Igreja. Deste modo, o indivíduo não se coloca em oposição como pessoa, mas somente como unidade, representando assim, todas as unidades contra a coletividade. A partir daí, Nietzsche oferece ao homem que busca reativar a sua individualidade, a concepção do Eterno Retorno.
Para que os homens possam suportar a idéia do Eterno Retorno, é mister que sejam
livres: da moral; que encontrem meios novos para combater a realidade da dor; do
gozo que oferece toda espécie de incerteza; da tentativa, como contrapeso contra o
fatalismo extremo (...). O próprio fato de que o espírito é um devir, demonstra que o
mundo não tem finalidade, nenhum estado final, que é incapaz de ser. (...) O mundo
carece da faculdade de se renovar indefinidamente. A teoria da constância da energia
exige o Eterno Retorno.

Para Nietzsche, o fato de nunca se alcançar um estado de equilíbrio prova que não é
possível que o mundo viva em repouso, mas realiza-se constantemente num espaço
indeterminado, num espaço esférico. A forma do espaço deve ser a causa do movimento
eterno, e afinal, de toda imperfeição. O devir não tem condição final e não tende ao ser. O devir não é uma condição aparente; talvez o mundo do ser seja apenas aparência. O devir permanece, em cada momento, igual a si mesmo em sua totalidade.

O Eterno Retorno reflete a eterna criação de si próprio e a eterna destruição de si
próprio. Significa o movimento permanente do perder-se de si mesmo, para assim, poder
reencontrar-se, e com isso, adquirir autonomia em si mesmo. É importante lembrar que é nesse eterno vaivém, que o homem tem a oportunidade da possibilidade de voltar-se para si, adquirindo assim o domínio de si mesmo. Deixar de pertencer ao rebanho e perder essa característica de coisa morta, despertando para uma produção de consciência verdadeira.
Força em toda parte, é jogo de forças e ondas de forças; uno e múltiplo
simultaneamente acumulando-se aqui, enquanto se reduz ali, um mar de forças
agitadas que provocam sua própria tempestade, transformando-se eternamente num
eterno vaivém, com imensos anos de retorno com um fluxo perpétuo de suas formas,
do simples ao mais complexo. (...).

O eterno perder-se de si mesmo, uma vez que se tenha encontrado a si mesmo, torna-
se condição constante na vida humana. É preciso saber, de tempo em tempo, perder-se, e
depois reencontrar-se. E com isso, representar sem descanso a si mesmo. Procurando
situações em que o homem possa sem cessar, exercitar a necessidade de atitude, e opor-se constantemente a um grande número de pessoas, não por palavras, mas por atos. Nietzsche via a cultura de rebanho, sendo perpetuada em toda sua extensão, além de consumir lentamente a condição de homem indivíduo. A cultura de rebanho tornou-se gradativamente, criadora de uma cultura medíocre e hipócrita, na qual o filósofo afirma que encontrou entre os homens. Haja vista, aqueles que mandam fingem as virtudes daqueles que servem. Eu sirvo, tu serves, nós servimos – e que é assim a reza feita pela hipocrisia dos dominantes – e é a partir daí que o primeiro senhor é somente o primeiro servidor! (...) E esta hipocrisia foi a pior que encontrei (...) Quanto vejo de bondade vejo de fraqueza. Quanto vejo de justiça e compaixão, vejo de fraqueza. (...) No fundo o que
mais querem é simplesmente isto: que ninguém lhes faça mal. Assim antecipam-se
aos outros e lhes fazem bem. Mas, isso é covardia: embora se chame virtude. (...) É
mediocridade: embora se chame comedimento.

Seguindo em frente o filósofo afirma que virtude é aquilo que torna o homem modesto
e manso, e exemplifica sua idéia quando diz que é por isso que fizeram do lobo o cão e do próprio homem o melhor animal doméstico do homem. A partir desse pensamento é possível perceber que há em Nietzsche um ímpeto pela inovação, envolvendo a negação do antigo e a criação do novo. Afirma o desenvolvimento e a transcendência dos valores antigos como sendo crucial para a sociedade e a individualidade contemporâneas. Nietzsche desejava transcendera modernidade para uma forma superior de cultura e sociedade, que possibilitasse a existência de indivíduos mais fortes e completos. Ele acreditava que novos potenciais para a criatividade individual e para uma forma superior de cultura possibilitada pelo surgimento da era moderna, estavam sendo atrofiados e suprimidos pelas atuais organizações sociopolíticas, e que eram necessárias mudanças socioculturais radicais. Destarte, Nietzsche exemplifica as características modernas da crítica, e do início ao fim de sua existência atacou os ídolos espirituais perenes e contemporâneos, que ele via como sendo obstáculos para o livre pensar e viver.
A questão da vontade do homem sábio, que é a vontade de potência. E de como o
verdadeiro mundo pode ser alcançável ao sábio, que tal mundo vive nele, mas que o homem o expulsa, restando somente o mundo aparente, moral, a vida em rebanho, a alienação intelectual da massa. Pois é por meio da moralidade que a humanidade consegue paralisar a vontade crítica individual do homem, até mesmo atraí-la para o seu lado, e por vezes até fazê-la voltar-se contra si mesma, de tal modo que a vontade então, igual ao escorpião, encerra em seu próprio corpo o ferrão. É fato que se ao longo da sua existência, o individuo torna-se dominado pelo sistema em que vive, então, é nesse processo que ele constroe o estado de grande alienação intelectual, e tal alienação faz com que o próprio ser humano desconstrua a sua humanidade. E é nessa desconstrução de si mesmo que o homem tem a oportunidade da possibilidade de voltar-se para si, adquirindo assim o seu autodomínio. Por fim, pudemos esclarecer que há uma construção autônoma do individuo, e que tal construção acontece a partir do momento em que o próprio indivíduo estabelece a sua unicidade diante do mundo. A partir de tal ação, é possível defender à própria condição de ser humano em individualizar-se, e a possibilidade de autonomia, sem que com isso, seja segregado dos demais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
NIETZSCHE, F. A vontade de potencia. São Paulo: Ed. Escala, 2004.
__________. O nascimento da tragédia. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
__________. Os pensadores “Nietzsche”. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
Notas

Professora de Filosofia contrata especial da Fundação Educacional – Ensino Especial/DF.

Grifo da autora, hodiernamente significa uma condição de alienação, a qual o homem se permite chegar por meio
da melhoria ou aprimoramento moral, ao qual Nietzsche se refere: ”A moralidade é o instinto de rebanho no
indivíduo”. Os Pensadores, 1978, p. 335. Crepúsculo dos Ídolos.

Essa contrariedade se refere à manipulação da vontade no e do indivíduo.

Nietzsche viu a cultura socrática como sendo a força formadora do período moderno, incluindo seus resultados
negadores da vida. Ver em Crepúsculo dos Ídolos (1978, p. 329). Por meio de sua obra, Sócrates, para Nietzsche,
foi um símbolo de decadência, pois acreditava que o dialético despotencializava os instintos elementares da vida,
que veio a dominar o corpo e as paixões humanas, constituindo um processo que se intensificou com o passar dos
séculos e que Nietzsche viu como sendo formador da Era Moderna.

A frase adquire um sentido de autonomia, o deixar de fazer parte do rebanho.

A arte autêntica foi privilegiada por Nietzsche precisamente porque ela cultivava os sentidos, a imaginação e outros
aspectos da mente e do corpo, permitindo aos indivíduos entrarem em um domínio que transcendia a moralidade
convencional e as normas sociais. Nietzsche defendeu a arte como a mais poderosa inimiga do ideal ascético e
como a última fonte da vitalidade cultural.
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